Uma das coisas que eu te queria perguntar era isso, qual é o papel que tu vês no Kung Fu na sociedade de hoje?

O papel do Kung Fu na sociedade de hoje basicamente devia ser assim. No início devia ser: vive e deixa viver. A pessoa devia viver e deixar viver. Ou seja respeitar-se a si e respeitar os outros. No nosso tempo, mais ainda do que viver e deixar viver, é viver e ajudar a viver. Que é: gostar que haja pessoas diferentes e estimulá-las.

Para isso, o básico continua lá sempre: a pessoa tem de se saber defender, tem de saber não ficar vulnerável. E mais do que se saber defender, o melhor é não ter sítio para ser atacado, como dizia o tao, numa mente calma e pacífica, nem mesmo o tigre consegue cravar a sua garra. Ou seja, não é uma pessoa estar pronta para se defender, mas é uma pessoa não ter sítio para ser atacado. É basear-se sempre na simplicidade, saber seguir o seu caminho, evitar todos os gestos desnecessários. Porque, quando a gente dá conta está a comprometer-se com coisas que já nem sequer têm a ver consigo, e que nem são ele.

Isto tem tudo a ver com conhecer-se a si próprio. Ao conhecer-se a si próprio não mais vai ser dependente, ou seja, está ligado também com a não-dependência, a pessoa não ser dependente, ser independente. Mas uma palavra mais certa é ser inter-dependente, porque a relação com os outros é muito importante, pois sem a relação com os outros não há evolução. Há uma primeira evolução que somos nós connosco próprios, mas depois tem de haver relação com os outros. E depois a relação com os outros é gostar da diferença nos outros, inspirar-se nos outros; mais do que isso, ajudar os outros a serem felizes, mais do que a serem felizes a serem extasiados. Para isso têm que ter uma coisa que é..., deixa-me ir buscar uma coisa que eu escrevi na capa de um cd...

Que no fundo é esta dedicatória que eu faço: Isto é dedicado a todo o ser humano que se cria a si próprio – no fundo este processo de se criar a si próprio, já não é o processo de ser moldado mas de se criar a si próprio a todo o momento – por isso vive, partilha e celebra uma eterna e infinita sensação de êxtase. Percebes? É mais do que simplesmente estar feliz, ajudar os outros, etc... é este processo de ser, mais do que bom, é ser extasiante. Extasiante é um bocado uma qualidade espiritual, e é isso que o Kung Fu tem para dar.