[Continuação de A existência do mal... parte 2 (ufff...)]

Olha, depois queria também colocar-te uma outra questão que tem a ver com: tu falas muitas vezes de astrologia, de coisas mais esotéricas, de mais ligadas ao físico, à anatomia, e nós já tínhamos falado uma vez na, digamos assim, "verdade do conhecimento", porque há uma ideia de que tudo é ilusão e de nós utilizamos o conhecimento apenas como um meio para atingir a liberdade. Não é? Ou um estado de amor...

Sim, um estado de êxtase, um estado de mistério, de maravilha e de...

Pronto, e eu gostava que falasses um bocado sobre isso...

O conhecimento?

Sim, até que ponto é que o conhecimento é ilusório ou não é ilusório, até que ponto é que... quando falamos da astrologia, até que ponto é que lhe podemos dar uma realidade objectiva, válida para toda a gente ou se é só uma maneira de... ou se é só o degrauzinho, para algumas pessoas...

Não, todo o conhecimento é assim, seja ele qual for. Seja mais esotérico ou mais esotérico, mais científico ou menos científico. Tu podes é dizer que a maior parte das pessoas...

Todo o conhecimento é assim como?...

É muito relativo... quer isto dizer: conheces aquela história da montanha? No início a montanha é montanha e o rio é rio. O primeiro contacto que nós temos com as coisas é muito intuitivo e 'sem mente'. Olhamos para as coisas e aquilo é aquilo. É o que nós sentimos, é como conseguimos imitar, a primeira abordagem. Depois vem alguém dizer-nos que a montanha não é montanha, o rio não é o rio, ou seja, aquela concepção que nós temos não é bem assim. A montanha é feita disto que é feito daquilo, tás a ver? E isso vai-nos dar uma maior possibilidade de agir sobre esse real. No início temos assim uma certa possibilidade ainda assim, limitada, na primeira abordagem. Na segunda abordagem, quando dizemos 'não é assim' é para ser assado, temos uma maior amplitude de acção. E então

Manipulação?...

Manipulação e de agir sobre o real. Mas, cuidado com essa manipulação, isso tem de ser feito em função, sempre, da nossa relação amorosa, e não da nossa relação de dominar as coisas. Dominar. Percebes? E a relação amorosa tem sempre aquela história de ir e deixar vir. Tem sempre de deixar qualquer coisa de mistério. Deixar qualquer coisa de mistério e não querer dominar e catalogar e tá pronto, finish. Porque isso perdemos o nosso prazer, a nossa vida e o verdadeiro conhecimento. Porque depois o verdadeiro conhecimento é o último estágio. Que é quando o rio volta a ser rio, a montanha volta a ser montanha, da mesma maneira como era no início, quando éramos criança, mas já com o conhecimento q.b., o conhecimento que nos permite ter uma relação inocente com as coisas, mas por outro lado, com o conhecimento que nos protege essa relação. Porque a primeira relação que é inocente, é uma relação vulnerável. Mas com o conhecimento, fica mais... percebemos as manhas, ficamos mais sabedores, mas perdemos a relação inocente com as coisas. E perdemos as coisas. E então há que voltar no fundo aquela máxima como o Rajneesh diz que é: 'o sábio é aquele que aprendeu todas as manhas e não é manhoso.' Há que aprender as manhas mas não ser manhoso. O sábio é aquele que sabe as manhas, mas prefere ser como a criança. E então, todo o conhecimento, seja ele qual for, pertence ao segundo estágio, que é 'a montanha deixa de ser montanha', que é: dar-te ferramentas para agir sobre o real. De modo a que tenhas possibilidade de integrá-lo, de catalogá-lo, de agir sobre ele, etc. Mas cuidado que isso é uma coisa Yang, é uma coisa de dominar. De agir sobre. E o verdadeiro conhecimento é nós sermos maravilhados como uma criança, mas não de uma maneira ingénua, mas sim de uma maneira inocente [por opção e não por falta de opção]. A inocência tem de se manter sempre, mas não a ingenuidade da ignorância, percebes? Pronto, o que eu queria dizer com ingenuidade é ignorância. Não ser ignorante.

Por isso todos esses conhecimentos são bons. Agora tem de ser q.b. Tem de ser q.b. e o que faz sentido.

Então quer dizer que o conhecimento não é ilusório. O conhecimento é apenas limitado...

O conhecimento é um meio. O conhecimento é muito bom, mas não é para ficar no conhecimento, e catalogar e finalizar. O conhecimento é um meio. Tal como a montanha era a montanha, o rio era o rio...

Mas quando nós dizemos que 'a água é H2O' e tem aquelas propriedades, estamos a dizer qualquer coisa que retracta realmente aquilo que existe?

Não, estamos a falar naquilo para termos uma possibilidade de agir sobre o real, num determinado ponto. A ciência tem uma possibilidade de agir sobre o real com uns certos resultados que são importantes [para] tudo o que tem a ver com a matéria, fazer coisas.

Ou seja, consegue fazer previsões...

Previsões, análises da água, essas coisas todas, estás a ver?, o que é muito importante. Mas se tu quiseres ter uma relação amorosa se calhar vais ter que ir a um poeta a falar sobre a água, ou a um poema sobre a água. Ou um conhecimento esotérico sobre a água, estás a ver?

Portanto a ciência no fundo descreve as coisas no espaço e no tempo...

Sim.

Mas não nos diz o que elas são, ou seja não nos diz...

Não, nenhum conhecimento nos diz o que é que elas são. Nós é que temos que criar esse nosso... relação...

E essa relação... essa... a vivência desse mistério só se aprofunda, e só cresce, digamos assim, não só através do conhecimento, mas através de uma relação de amor...

De uma síntese que é: uma parte usar o conhecimento q.b., o conhecimento certo, um bocadinho de ciência, depois cada um depende, depende das suas naturezas, depende do que é que lhe interessa e que tipo de profundidade, se é mais esotérico, etc. Usar o conhecimento q.b. e, para agir, para não ter dificuldade, principalmente para ter uma relação amorosa com as coisas, que é uma relação de troca. É tu, vais ter com as coisas e as coisas falam contigo, as coisas revelam-se a ti, a alma delas e não só a matéria, estás a ver? Mas às vezes para as coisas revelarem a sua alma, tens de saber lidar com a matéria delas.

Pois, ok, estou a entender.

É a síntese.

Tens de ir mais ao pormenor. Ou seja, não é olhar só para o vaso, é ver o que é que é o barro e tal...

Pois, isso às vezes ajuda imenso, para certas coisas. Eu por exemplo, para a música, para os meus sintetizadores. Eu na escola estudei as ondas e aquelas coisas electromagnéticas e não sei quê, era um frete danado. E nunca liguei, à cena científica, não achava muita piada. E então quando comecei a estudar os sintetizadores, era a música, eu ouvia a música, e entrei pelo aspecto artístico, já o aspecto transcendental, tudo muito bonito. Só que quando ia pegar nos sintetizadores, aquilo... pronto... eu tinha de saber mexer naquilo, tinha que ter as bases...

E então a explicação científica é excelente, uma vez que aquilo também veio de um conhecimento científico, eu tinha de perceber aquilo. E aquilo ajudou-me até mais do que isso: a perceber o som, no seu todo, estás a ver, de uma maneira muito simples. A ciência explica as coisas de uma maneira muito simples. E eu fui buscar o conhecimento que me interessava, das ondas e dessas coisas todas, agora, coisas muito mais complexas como prever resultados fixos, isso aí já não me interessa. Agora, saber o que é que dali sai, e o que é que dali sai e ter a visão mental de que 'isto faz isto' e aquilo filtra dali, etc, era importante, porque senão eu nunca podia exprimir a minha relação com os instrumentos, e com o todo, e comigo, e com as coisas.

Tinha que ter esse conhecimento, mas q.b. O que me interessava. E então qual é o conhecimento por exemplo que eu tenho em relação aos sintetizadores. É um conhecimento científico, sem dúvida, bastante científico, mas depois também... bastante pessoal, porque há certo pessoal que pegou naquilo e deu um uso que nem era previsto, quando as pessoas desenharam os sintetizadores. E eu também vou a esse tipo de coisas. E principalmente vou aquelas pessoas que têm uma relação muito esotérica com as coisas, ou seja, há uma espécie de ritual sempre que mexem com aquilo...