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Sinto-me como um deserto, sedento de ti. Nos meus poros a secura, a ausência que prima em cada ponto da minha pele. Espero por ti, como uma sede que me invade, como uma falta que sinto, em cada poro da minha pele. Em cada poro da minha pele, em cada marca do meu rosto, em cada pelo, em cada barba, do meu rosto, desconfiado, amansado, olhando ternamente o infinito dos teus olhos teus.

Os teus olhos teus, aí, tão longe, perdidos. É aí à beira da praia que eu os quero encontrar. É aí à luz do luar. É aí, ao som das ondas e das gaivotas. Como um encontro místico. Um encontro azul. Cheio de água, água do mar. Água livre e pura e solta. Água sem fim. Água livre.

É desta água fresca que eu te quero beber, espalhada pelas nuvens. Os teus sovacos, encharcados em suor, que enviam o seu cheiro através do corpo e do mundo e do corpo do mundo onde eu também estou.

E estou aqui, encantado, amarrado, acorrentado, à tua beleza. Essa beleza que não vejo em nenhuma mulher. Essa atracção que não sinto por nenhuma mulher. Essa paixão que não sinto por nenhuma mulher. Sento-me aqui e os meus dias são à noite. Quando, só, imagino que haverá no mundo alguma mulher para mim. Algum colo para mim. Algumas palavras para mim, algum sorriso para mim, algum sexo onde eu possa entrar, e me esconder, e suspirar de alegria e de paixão e dizendo chorando "encontrei aqui o meu refúgio, deixa-me vir e vir, uma e outra vez, na tua boca, nos teus recantos, entre as tuas nádegas. Procuro-te e não te encontro, às vezes encontro, entre abraços molhados, entre lágrimas e gritos de prazer, aí estás tu, liberta, livre sob e sobre mim, dentro e fora, antes e depois, aí estás tu... Como um grito, uma alegria, a Palavra, que esperava, para me dizer que sou real, que não estou só."

Mas agora só o vento frio, vindo do Norte me invade, e só o desconhecido antevejo diante de mim. Em frente não há nada, só antevisões do que poderá ser, do que poderia ter sido.

Tenho de me afastar deste meu passado, tenho de me libertar para um futuro que pode vir a qualquer instante, a qualquer momento, em qualquer hora do dia ou da noite. Ele pode vir, e quando vier, ninguém saberá, ninguém sonhará sequer, o que pode fazer com ele, o que poderá fazer com ele.

Esse instante que me espera. Agora não será de lábios molhados e entreabertos, à espera da minha língua e da minha esporra, não será de um corpo aberto ao sexo, de um olhar aberto ao sol, e à alegria. Será, pelo contrário, a de um Mundo desperto, a da Aventura do Ser. Esse Ser que não é o meu corpo, nem se esgota nem centra na minha mente, mas que sou eu e de que eu participo e que está incluído em mim, todos os dias e noites da minha vida.

Estou dentro do Corpo de Deus. Este é o cálice. E eu bebo, bebo a minha vida. Absorvo as figuras e as imagens, os pálidos reflexos desse Ser que está e esteve e estará porque não há outra coisa dentro do tempo e do espaço que não seja Ser. Uma parte do Ser, um pálido reflexo do Ser. Em todas as músicas, em todos os momentos, em todas as escrituras e iluminuras, e passagens ancestrais, e programas de televisão, incluindo as Soap Operas, aí está ele, iluminando, revelando, dando forma e estrutura e cor a tudo. Sou Ele, sou Eu, sou os Outros. Tudo é Eu, Ele, Inanimado, Animado.

Mas mesmo assim, ou mesmo por isso, preciso de ti. De te ver e tocar e sentir, e sentir que me sentes a mim. Sem ti, sem ser reflectido no teu olhar, não sou nada.