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040512 Pontas Soltas – Conversas com Guilherme da Luz
III – Conciliar Liberdade/Individualidade com a vida em Sociedade
P: O que eu acho que é mais difícil de fazer é conseguir conciliar essa experiência, digamos assim, de uma vida livre, e de uma vida vivida em cada momento e ditada pelo momento, com a vivência em sociedade e com as organizações... porque nós recebemos muito, não é? E, ao receber, de alguma forma ficamos comprometidos. Porque deram-nos roupa, deram-nos educação, deram-nos...
G: Sim, mas também temos de ver uma coisa: deram-nos, e nós temos que ficar agradecidos, mas não temos que ficar escravos.
P: Pois...
G: Porque, quem deu, quem nos deu, é assim, ou devia ser assim: «deu, está dado!» [sem pedir algo em troca].
P: Mas não é muito assim (risos)!
G: Ou seja, eu dou uma coisa a uma pessoa e é bom se a pessoa se sente agradecida. Agora o agradecido não é dizer obrigado e ficar ali [dependente]... Agradecido tem a ver com usar bem aquilo, aproveitar aquela oportunidade, o que eu lhe dei... isso é que é agradecido. Se a pessoa usou bem aquilo, isso é que é agradecido. E eu também tenho de ficar agradecido por a pessoa ter aceite aquilo que eu dei. E estamos pagos. Só que esta sociedade é um bocado marada. Agora, a culpa é da sociedade e também é nossa que também alinhamos nisso.
P: É que isso é um discurso um bocado radical, em termos do que é o mainstream, em termos daquilo que as pessoas normalmente pensam...
G: Pois é, exactamente. Mas é radical e ao mesmo tempo harmonioso. Porque isto não é contra ninguém. Isto é a favor de ti e a favor de outras pessoas.
P: Sim, mas é uma quebra...
G: É uma quebra muito grande. Só que esta quebra põe as pessoas no sítio certo. E as pessoas passam a não ter essas lamechices que são as chantagens emocionais umas com as outras.
P: Eu percebo o que estás a dizer, mas quando uma pessoa abdica de coisas para te dar alguma coisa a ti, ela depois espera que tu retribuas.
G: Ah! Problema dela, e problema teu se embarcares nisso. (risos)
Porque é que há uma certa harmonia neste Kung Fu? Porque eu não estou à espera nas pessoas de nada... mais do que isso eu já estou rico, as pessoas dão-me oportunidades imensas e eu estou grato por isso...!! Agora, na maior parte dos sítios não é assim, na maior parte dos sítios é: «quero que as pessoas façam assim, quero que se comportem assim, quero que me obedeçam, quero que...» Mas isso é porque as pessoas não estão sintonizadas [umas com as outras].
Agora tu é que escolhes: [Se preferes a troca entre pessoas livres em vez da subserviência] não podes ir na lamechice das pessoas. Mas também, se estavas com um certo tipo de prática, não podes cortar de repente, porque é muito violento. Mas tens de ir, devagarinho, com disciplina e com meditação, começando a «virar o barco» – viras o leme mas o barco vai devagarinho para o outro lado – para o lado certo. É que nisto temos que ser muito realistas...
P: Pois é que estas coisas às vezes são bastante complicadas... eu falo por mim...
G: As coisas são complicadas porque já vêm de trás complicadas. Às vezes não é quando a gente quer que as coisas vão ficar logo bem, porque é preciso trabalhar em várias frentes, em várias coisas, e leva tempo. Muitas vezes tem que haver uma certa perseverança e uma certa meditação, e não aquele apego e aquela ansiedade de ser logo tudo como a gente pensa que deve ser. Porque dizer é rápido, mas, ao pôr em prática, tem que se adequar à situação e isso é que leva tempo, não é uma coisa irresponsável [para haver liberdade nos relacionamentos é preciso haver uma grande dose de visão/responsabilidade]. Porque cada pessoa é única, cada situação é única e, à medida que vamos fazendo isso devagarinho, também é uma aprendizagem para nós, também estamos a integrar isso dentro de nós até ao nosso fundo e a perceber bem essas coisas todas.
P: Pois, é um grande crescimento, de facto...
G: Pois. Isto não é uma coisa leviana, não é nada disso, implica tempo. Agora, tudo fica muito facilitado quando estamos no essencial e no nosso caminho. Ou seja, quando estamos a meditar e estamos no nosso caminho tudo faz muito sentido: faz muito sentido que as coisas não mudem logo como a gente quer, faz muito sentido que as coisas se façam devagarinho, faz muito sentido tudo o que estamos a passar, faz muito sentido que o objectivo que a gente quer não esteja já agora aqui. Faz tudo muito sentido quando a gente está a meditar e está no nosso caminho. Por isso é que eu adoro a cena do Tao quando ele diz: « ao encontrares a tua vocação e o teu caminho encontras tudo»...